121 anos de uma 'pseudo-abolição'?

"Declara extinta a escravidão no Brasil:

A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:

Art. 1°: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.
Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém."
121 anos depois...
Encontramo-nos em um quadro onde algumas mudanças evidenciam-se, é verdade, mas cuja ação ainda encontra-se no princípio do esperado. Dona Isabel nos deu uma (pseudo)liberdade, mas esqueceu de nos dar condições de sobrevivência em meio a uma sociedade ainda escravocrata na ação e no pensamento, o que resultou em negros pobres, analfabetos, bêbados, 'bandidos', sem perspectivas, sem a 'dignidade' tirada quando da sua África vieram. Como sobreviver numa sociedade assim? Tiraram as correntes do corpo, mas esqueceram-se de tirá-las do todo - continuaram acorrentados à sociedade.

Mão-de-obra de 'livre e espontânea pressão', os negros escravos de um Brasil colonial foram, como nos ensinaram os livros de história (real), "os pés e as mãos dos seus senhores...". Ou seja, sustentaram a economia nacional por quase 300 anos. Já numa fase de desgaste e com pressões sofridas do velho continente, o país viu-se obrigado a deixar os negros libertos, num processo que começou desde a extinção do tráfico negreiro, em 1850 até a abolição propriamente dita em 1888.

No Brasil de 2009 as coisas melhoraram bastante, temos que reconhecer. Entidades negras, Governo Federal e orgãos como a Fundação Palmares¹ contribuem para que as ações, políticas públicas, reinvidicações, etc. possam amenizar esses mais de três séculos, desde os primeiros tráficos negreiros. Segundo o presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, "
a celebração desses 121 anos da abolição da escravatura no Brasil, só tem sentido se, de um lado, debelarmos a hipocrisia que grassa na sociedade quanto à questão racial (todos consideram que existe racismo no Brasil, mas ninguém se intitula enquanto agente de tal crime), e, de outro, dermos conteúdo real às aspirações de mais da metade da população brasileira."

Temos muito a comemorar. Mas como disse em um antigo texto, a mudança só se dará de forma efetiva se começar pela educação e esta tem que vir de nossa casa, passar pela escola e seguir...
Para que as políticas públicas funcionem de fato e possamos num futuro não tão distante viver em sociedade de uma forma justa e igualitária cada um tem que fazer sua parte.

É mais provável que o ato da princesa Isabel não tenha sido por pena do sofrimento dos negros escravos, entretanto foi um passo importante, embora um tanto deficiente. Por isso, comemoremos o 13 de maio, sim!





¹Entidade pública brasileira vinculada ao Governo Federal,através do Ministério da Cultura, instituída pela Lei Federal n°. 7.668, de 22.11.88 e tem entre seus objetivos principais "[...] promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira."

Uma constante nas comunidades quilombolas!

A comunidade remanescente de quilombo de São Francisco do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano abriga cerca de 300 famílias, que como na maioria das comunidades quilombolas espalhadas pelo Brasil, incluindo as de Alcântara, no Estado do Maranhão, vive da pesca, agricultura de subsitência e artesanato, além de possuírem uma cultura imaterial herdada dos seus antepassados como a capoeira, o samba de roda, o maculelê, etc. Trata-se de uma comunidade que não vive só de suas heranças ‘culturais’, mas também de uma herança histórica de intolerânica e discriminação, aliada ao interesse econômico: as disputas territoriais – fazendeiros x quilombolas.
Infelizmente esse tipo de disputa e todas as consequências que dele resultam têm sido uma constante no país e mais uma vez se repete, fazendo outras duas vítimas: Altino Daruz e Maria das Dores Correa, quilombolas de São Francisco, que morreram em virtude do desgaste provocado pelo constante constrangimento e ameaças que sofriam dentro da própria comunidade e por parte dos fazendeiros vizinhos. (Dados: Fundação Palmares/www.palmares.gov.br)

Denúncias foram feitas, comissões formadas e já se busca resolver o caso, mas fica a pergunta: Se estamos em meio a um processo (demorado, mas efetivo) de democracia e inclusão social, sobretudo relacionado à questão negra, já que o país tem mais da metade da população formada por afro-descentes, de que forma o Governo brasileiro vem se manifestando em prol destas comunidades?

Ações públicas e privadas voltadas para esta questão e ‘comitês’ de apoio à sítios remanescentes de quilombos estão sendo ‘articuladas’, mas a impressão passada é de morosidade. Num meio onde muitos interesses encontram-se envolvidos, ainda que denúncias sejam feitas e ações propostas e até mesmo executadas, parece haver sempre uma ‘pseudo conciliação’, ou seja, os casos são postos em questão, movimenta-se sobre isto, mas no fim, as resoluções são secundárias ou simplesmente estagnam-se até que um novo processo/ação aconteça. Vão se estendendo por tempos infindos.

Não se trata de uma crítica destrutiva ao Governo ou às ações envoltas neste tipo de problema, mas apenas uma observação acerca de uma questão que vem se repetindo de geração em geração, sem se chegar a um consenso. É óbvio que muita coisa mudou, que muito se conquistou e a tendência é melhorar; que o trabalho de muitas entidades, órgãos e etc tem sido de fundamental importância para que muitas coisas estejam em andamento e/ou já tenha sido uma realidade – as titulações são um exemplo real do que tem sido desenvolvido. É também claro que para um país com uma herança histórica como a do Brasil, torna-se quase impossível mudar as coisas do dia para noite, e que este é um ‘trabalho de formiguinha’, requerendo paciência e perseverança. Mas nem por isso, pode-se deixar que este estado de passividade perdure, pois no ‘frigi dos ovos’ é o que tem acontecido.

Imaginar um idoso ou mesmo um trabalhador que construiu sua história sobre uma espaço, assim como sua descedência, deixando em cada porção de terra seu suor, seu sangue, sua vida, ser expulso porque um ‘senhor do engenho versão século XXI’ anseia por suas terras (detalhe: terra quilombola!) é no mínimo desolador! Implica em não estar vivendo numa democracia, mas regressando camufladamente a séculos atrás!

O Governo tem sua responsabilidade neste embate, as entidades têm seu papel, cada pessoa tem sua cota de participação não só com relação à questão negra, mas com as que envolvem desigualdades e inclusão social em geral, desde as ações mais simples às mais complexas.

Ainda coloco a educação como base, a começar pela primeira escola que é o lar e a desenvolver-se pelos caminhares futuros; e desejo que pensamentos como: “Se cada um fizer sua parte, chegaremos lá!” e/ou “Um dia seremos um país onde não haverá desigualdades e as diferenças serão respeitadas, pois fazem parte de muitas culturas num só espaço territorial” não sejam apenas figurativos, mas uma realidade!

(Texto: Milena Reis, comunicóloca, Agontinmê)

120 anos de libertação - Há mesmo o que comemorar?!

Houve uma época em que povos viviam em suas terras, com suas hierarquias, tradições... eis que num dado momento, em busca de riquezas, mão-de-obra barata e outros, uma terra sagrada é privada de seus direitos e dignidade, e seus reis são transformados em escravos!

Nós aprendemos na escola que os negros foram escravizados e trazidos para cá como força de trabalho, vendidos como "peças", que a igreja foi uma das responsáveis por mistificar a idéia de negro era inferior, não tinha alma, por isso não merecia nenhum tipo de consideração, etc, etc, etc.

Também é sabido todos os infortúnios sofridos pelos negros durante esses séculos de escravidão. Mas, ao se comemorar os 120 anos de abolição no Brasil, levantou-se uma questão no país que divergiu muitas opiniões: Há de fato motivos para se comemorar?!

"A assinatura da Lei Áurea foi decorrência de pressões internas e externas: o movimento abolicionista já tinha grande força no país, haviam freqüentes fugas de negros e mulatos, o exército já se recusava a fazer o papel de capitão-do-mato, ou seja: capturar e devolver os escravos a seus donos.
Além disso, estava se tornando economicamente inviável manter o trabalho escravo, em face da concorrência com a
mão-de-obra imigrante, barata, abundante e educada e os ataques constantes dos negros, muitos deles refugiados em quilombos, às propriedades agrícolas" (Joaquim Manuel de Macedo em seu livro: As Vítimas-Algozes)

Todos os anos, em 13 de maio, essa Lei é comemorada em todo o país como um feito corajoso da princesa Isabel, embora, ainda hoje, muitas pessoas discordem de tal ato. De fato, foi uma pseudo-libertação. Os escravos foram 'libertos', mas não se deu a eles nenhum tipo de auxílio para sobreviverem em meio a uma sociedade preconceituosa e fechada. Como poderia um escravo liberto sobreviver sem instrução, sem recursos, sem oportunidades? Ser negro ainda significava (e de repente, ainda significa, com um grau menos radical) ser inferior, ser 'menos'. Uma visão que continou a ser difundida de pai para filho até os dias atuais.

Não é exagero dizer que em pleno século XXI, os negros ainda são minoria nos cargos de chefia, nas universidades - e aí, vem a questão educacional (uma coisa puxa à outra) mais uma vez a circundar este assunto.

Se há motivos pra comemorar?! Sim. Muitos! Porque hoje, ainda que num processo demorado, a realidade está se modificando; as oportunidades estão se alargando; nós estamos buscando mais; conscientizando-nos de que podemos, de que somos e de que temos os mesmos direitos.

Ainda falta muito? Com certeza!

As perdas, humilhações e barbaridades cometidas vão ser revertidas? Dificilmente! Mas o reconhecimento de que somos e podemos tão ou mais que qualquer pessoa pode nos levar longe. Não adianta esperar só das autoridades, da justiça, do vizinho...cada um tem que fazer a sua parte. Já vai ser um bom começo!

(Texto de Milena Reis - Comunicóloga)

Instituto Agontinmê

O Instituto de Educação e Pesquisa Agontinmê foi criado em 2004, com o objetivo de atuar como um centro de pesquisa étnico afro-maranhense e, por consequência, afro-brasileiro, pesquisando as demandas da problemática em relação ao negro.

A proposta do Instituto é se tornar agente de tranformação, a partir de medidas oriundas de pesquisa, discussão, capacitação e atuação nos diversos campos porque passa a questão do negro na atualidade, construindo pautas, recortes e embasamento que vão colaborar no trabalho da problemática com eficácia e objetividade.

Para a realização de tal proposta, o Instituto trabalha, a priori, com a formação interna dos seus colaboradores, em prol de um retorno consciente para a causa objetivada que é o negro.

Quem foi Agontinmê?

A Mina-Jêje é considerada uma religião de base afro-brasileira e tem nas casas das Minas e de Nagô, em São Luis, Maranhão, uma de suas principais casas de matrizes de tambor-de-mina. Enquanto na Casa das Minas são cultuados os voduns, na Casa de Nagô também fazem parte os orixás, caboclos e encantados. Entretanto, a Casa das Minas tem relação direta com o nome do Instituto de Educação e Pesquisa Afro-Maranhense, pois dela veio a presença da rainha Agontinmê.

A rainha Nã Agontinmê era a viúva do rei Angonglo (1789-1797) do Daomé, vendida como escrava pelo rei Adandozan (1797-1818). Adandozan governou Daomé após o falecimento do pai, perdendo o trono para o meio irmão Guezo (1818-1858), filho de Nã Agontinmê. Guezo organizou uma embaixada às Américas para procurar a sua mãe.

Segundo muitos pesquisadores e espíritas da religião de matriz africana mina-jêje, Nã Agontinmê seria Maria Jesuína, africana fundadora da Casa das Minas e consagrada ao vodum Zomadonu, dono espiritual da Casa, em São Luís, também conhecida como Querebentã Zomadonu, em 1840.

Atividades e Projetos

Com o país vivendo uma fase efervescente de promoção da igualdade racial, o Governo Federal, através do Ministério da Agricultura, criou o Projeto Brasil Quilombola, que é voltado para as comunidades remanescentes de quilombos no país.

Acompanhando esse foco, o Agontinmê, em parceria com o Instituto Inter-Americano de Cooperação Agrícola (IICA) e com o Ministério da Agricultura, por meio da Secretaria de Agricultura do Estado do Maranhão, desenvolveu o projeto PRONAF Quilombola.

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF visa financiar as atividades agropecuárias e não-agropecuárias exploradas mediante emprego direto da força de trabalho do produtor rural e de sua família. Baseado nisso, o Instituto desenvolveu o PRONAF Quilombola voltado para a situação das comunidades remanescentes de quilombos dentro do Estado do Maranhão. Para dar início ao projeto, decidiu-se por começar o projeto pelo município de Alcântara, que possui cerca de cento e oitenta comunidades quilombolas.

O primeiro passo foi dado há um ano, na comunidade de Santa Maria, onde foi discutida a questão do PRONAF nas comunidades de Alcântara. A partir disso, começou a ser feito um levantamento da linha produtiva dessas comunidades.

O Agontinmê foi pioneiro não só ao trabalhar o recorte voltado para o projeto Brasil Quilombola em Alcântara, como também, a partir do levantamento feito por área e família de mais de oitenta por cento das comunidades existentes na região, ampliou esse recorte para a questão de gênero, turismo étnico, educação e comunicação.